sábado, 15 de outubro de 2011

... Está dentro do etc.

"... e os olhos se evitavam.
Ainda se queriam." (Arlete Sendra)

Quando uma relação se desfaz, é preciso saber esquecê-la e para esquecê-la é preciso não esquecer que é preciso esquecer. E como para esquecer que é preciso esquecer é preciso lembrar que é preciso esquecer, não se esquece.

Esquecer requer a não-lembrança de tudo o que "... está dentro do etc.". E como dentro do etc cabe tudo e cabem outras coisas, tem-se sempre a outra coisa de que se lembrar!

Você se esqueceu daquele perfume! Mas aquela música traz de volta aquele perfume que traz de volta o toque das mãos, que traz de volta o olhar de cumplicidade tantas vezes trocado.

Você se esqueceu da música, do perfume, do toque das mãos, do olhar de cumplicidade! E aquela palavra? O riso? O sorriso? A alegria contida da chegada! Verdadeira sinfonia ao amanhecer! Prelúdio do entardecer! Essas coisas "estão dentro do etc.".

"... estão dentro do etc." a vida que flui, o dia que foi, o dia que virá. Os sonhos vividos e os sonhos que não foram autorizados a viver.

"... está dentro do etc." a nostalgia, esta dor do rosto, do retorno que é a falta do outro ainda não esquecido, a falta que sendo falta é, paradoxalmente, presença.

"... estão dentro do etc." o rosto que não se esquece, a solidão conscientemente escolhida.

"...está dentro do etc." a ambiguidade de nossas emoções que respondem pelos nossos afetos e desafetos.

"... está dentro do etc." ser você quando sou, ser eu quando é você.

"...estão dentro do etc." os olhos da memória, as emoções criadoras e certas melodias verbais.

"... está dentro do etc." mudar todas as coisas que no futuro do passado - quando o passado era presente - foram sonhadas.

"... está dentro do etc." a certa incerteza do amanhã.

"... estão dentro do etc." a vida com seus detalhes e sua imprevisibilidade.

"... está dentro do etc." sermos outros ainda que não deixemos de ser nós mesmos.

"... estão dentro do etc." a construção da própria liberdade e a decisão de outros et ceteras!

(*) Dra Arlete Sendra é graduada em letras clássicas, mestre em Literatura Brasileira, Doutora em Literatura de Língua Portuguesa e Pós-doutorada em semiótica. Docente e pesquisadora da UENF e membro da Academia Campista de Letras.

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