sexta-feira, 29 de abril de 2011

Passagem do virtual para o real

Para muitos, a passagem do virtual para o real é bastante dura. Para outros, impossível. Lembro-me dela, que não era ela, era ele. Lembro-me dele que não tinha charme algum, embora fosse um verdadeiro Don Juan no virtual. Sabia muito bem lidar com as palavras escritas.

Lembro-me de toda aquela falsa alegria que vários deixaram transparecer durante anos através das letras e que, no real, rolou ladeira abaixo. Lembro-me de opções sexuais que não eram verdadeiras e de amizades que não foram sinceras.

Lembro-me daquela loura fatal, sexy,, sensual que enviava sempre suas fotos causando frisson em muitos. Trinta, trinta e cinco anos, talvez? Não. Já era avó e beirava seus setenta anos. As tais fotos eram de cerca de trinta anos atrás retocadas por um photoshop.

Lembro-me de críticos literários. Viviam de um sonho que possivelmente jamais concretizaram. Lembro-me dos exaltados, ferozes provocadores. Verdadeiras ovelhinhas no real. Lembro-me de profissões virtuais. Médicos, advogados, engenheiros. Seres reais que sequer tiveram a oportunidade de passar na porta de uma faculdade.

Lembro-me dos donos da verdade virtuais, apenas virtuais. No real, não tinham opinião a respeito de nada. Perdiam-se dentro das suas próprias dúvidas. Lembro-me dos intelectuais, vários, a maioria de porta de buteco. Lembro-me de amores que jamais passaram para o real pois no virtual já eram impossíveis. Se bem que necessários.

Lembro-me do caráter dos seres virtuais. Como distinguir os bons e os maus? Ainda não existe em nenhum computador uma peça que se encaixe e faça uma luz vermelha ou verde piscar a cada e-mail que entra na nossa caixa de correio nos dando a informação que precisamos.

Lembro-me dela que tomou ele da outra e dessa mesma outra que nunca foi dele. Mas havia quem dissesse – Ele é meu! Ela é minha! No virtual, ninguém nunca foi de ninguém e quando chegaram ao real, poucos foram de alguém.

Lembro-me dos formadores de opinião e das vaquinhas de presépio. Lembro-me da unanimidade virtual, talvez a única coisa real. Lembro-me de enigmas. É assim ou assado? É falso ou verdadeiro? E lembro-me dos especialistas em enganar, trapacear, provocar.

Lembro-me dos ofendidos, feridos que sangravam virtualmente até não poder mais. Lembro-me das doenças virtuais (?), das mortes (?), das fugas e dos sumiços. Seres que nem mesmo no virtual conseguiram sustentar seus personagens. Lembro-me dos ódios e intrigas. Quem seria o vilão e a vítima? Jamais saberei.

Lembro-me de mim, em meio a um tiroteio invisível e a um carinho duvidoso. Lembro-me tão bem das carências excessivas que desabrochavam em palavras dolorosas. Lembro-me da criança que era um adulto e do adulto que era uma criança. Lembro-se da ofensa, da necessidade de denegrir a imagem de pessoas que incomodavam as outras pelos simples fato de se destacarem virtualmente.

Lembro-me finalmente, que o virtual jamais conseguiu ser real e que o real vivia a anos luz do virtual. Depois de lembrar-me de tudo isso chego à conclusão que apenas sei que nada sei sobre o mundo virtual, assim como ninguém sabe.

Texto: Silvana Duboc

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