quarta-feira, 31 de agosto de 2011

A vida que não vivi...

"Prender-se a um passado ilusório, ou arrastar seu peso vida afora, é não se perdoar pelas escolhas feitas, mesmo que não tenham sido as melhores, é jogar fora o que foi capaz de realizar e realizou, é fugir da responsabilidade pelo que ainda é possível viver"

Quem nunca acordou um dia acreditando que teria sido melhor desse ou daquele jeito, menos do jeito que está? Assim se sentia Janete, desajeitada na vida, colocando tudo em xeque. Pudera! Atravessava fase difícil. Ela e o marido desempregados; os filhos nada bem na escola; os pais, com a saúde abalada, cada dia mais dependentes, e por aí ia.

É nessa hora de corda bamba que as certezas balançam, e no pender de um lado para o outro, do outro para o um, a imaginação se põe a vagar. Podemos construir caminhos de saída, ou pegar atalhos prontos, de volta às encruzilhadas onde nem sempre foi possível parar e, com tranqüilidade, escolher o melhor rumo; talvez por falta de tempo, de maturidade, ou movidos pelas circunstâncias.

Janete pegou o atalho mais próximo e começou a juntar pedaços, daqui e dali, daquilo que não foi: o homem com quem poderia ter se casado, a faculdade que pensou tanto em cursar, o tipo de educação que deveria ter dado aos filhos, o dinheiro que poderia ter conseguido com um pouco mais de esforço, os relacionamentos que teria mantido se houvesse se empenhado, e tantos outros. Perfeito! Deliciou-se por instantes, para assistir, em seguida, à sua obra perder os contornos. As cores esmaeciam-se até trazê-la de volta à tela branca. E agora?

Nada há de condenável em deixar a imaginação dar seus vôos mesmo em direção a um passado que não existiu, desde que isto sirva de breve alento para dores do presente e nos impulsione para a construção do novo. Não podemos permitir é que essas imagens nos imobilizem. Não é fácil se desprender, exatamente por serem tão agradáveis quando comparadas a uma realidade que exige muito esforço para ser vivida. Sabemos, entretanto, que se não o fizermos, não sairemos dali.

Prender-se a um passado ilusório, ou arrastar seu peso vida afora, é não se perdoar pelas escolhas feitas, mesmo que não tenham sido as melhores, é jogar fora o que foi capaz de realizar e realizou, é fugir da responsabilidade pelo que ainda é possível viver.

A vida não permitiria que Janete permanecesse por muito tempo ali, olhando a tela em branco. De novo, a encruzilhada exigindo escolhas.

Angelina Garcia, especialista em Linguagem, com cursos em Processo Criativo e Psicologia Profunda; Análise do Discurso e Neurolingüística

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